quinta-feira, fevereiro 16

Barco abandonado




A minha vida é um barco abandonado

Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Por que não ergue ferro e segue o atino
De navegar, casado com o seu fado?

Ah! Falta quem o lance ao mar, e alado
Torne seu vulto em velas; peregrino
Frescor de afastamento, no divino
Amplexo da manhã, puro e salgado.

Morto corpo da acção sem vontade
Que o viva, vulto estéril de viver,
Boiando à tona inútil da saudade.

Os limos esverdeiam tua quilha,
O vento embala-te sem te mover,
E é para além do mar a ansiada Ilha

Fernando Pessoa